Exposição na Galerie Jacques Massol. Paris, 21 de abril de 1966.
Trecho do catálogo por George S.Whittet
 

Após vinte anos consagrados a ver e rever exposições internacionais para a revista londrina “Studio International”, a qual eu dirigi até bem pouco tempo, penso que o mérito de uma pintura não deve ser atribuído à habilidade ou a uma regurgitação de bom gosto da história da arte do século XX.

É preciso ver além, como um grafólogo, para ler nos quadros a personalidade do pintor. Pois a arte é, mais do que nunca, o autógrafo de uma personalidade.

A medida em que a ciência avança, a arte recua. A capitulação às calculadores eletrônicas e à abstração óptica é uma abdicação dos direitos divinos do artista. Felizmente, ainda há pintores que confiam na bússola de seu próprio magnetismo. Noêmia Guerra está entre eles. De suas telas se irradia uma luminosidade que é Pintura, essa substancia preciosa que sofreu tantos flagelos provenientes de invenções impróprias.

Enquanto poeta, sinto que em suas paisagens e danças, Noêmia Guerra abraça a vida com uma felicidade corajosa, felicidade da qual poucos de nós nos permitimos gozar.

Enquanto crítico, tenho certeza de que sua mensagem é passível de ser lida sem precisar ser “decodificada”, sendo uma pintura em estado puro e de significação universal.


 
Exposição na Alwin Gallery. Londres, 5 de julho de 1966
Trecho extraído de catalogo escrito por G. S. Whittet.
 

George Whittet e Noêmia Guerra na Alwin Gallery, 1966

Noêmia Guerra baseia sua paleta na luxuriante vegetação e na estrutura geológica de seu Brasil natal.

Os verdes-esmeralda, os púrpuras-real, os escarlates cor de brasa e os frescos cobaltos são as matizes que sobejam nas florestas agitadas e vales rochosos ao redor da Baia da Guanabara.

Mas suas telas não são reflexões topográficas; as cores e as formas estão integradas na superfície com riqueza e transparência.

Cada toque de tinta, cada tela representa um passo que a artista faz em uma jornada através de uma paisagem de infinita variedade. É a paisagem da luz.

 

 

Exposição na Alwin Gallery, Londres, 5 de junho de 1968
Trecho extraído do catálogo.

 

... a alienação da figura do artista de sua sociedade é o mal-estar contemporâneo, mas para Noêmia Guerra não há alienação entre a opulência do espetáculo da vida e sua acalorada e empática resposta, cuja comunicação com o observador dá-se sem dificuldades.

 

 
Exposição na Alwin Gallery, Londres, 5 de novembro de 1969.
Trecho extraído do catálogo escrito por G. S. Whittet.
 

As últimas telas de Noêmia Guerra são fecundadas pelo retorno ao Brasil em breve visita feita pela artista no último ano.

Ela viajou para a Bahia, cuja capital Salvador é rica no esplendor barroco arquitetônico dos séculos XVII e XVIII.

Mas Noêmia Guerra não esta interessada em relíquias históricas; seu espírito foi estimulado pelo povo, formado quase totalmente por mulatos, animando seu efervescente ambiente.

O grande politípico “O Mercado de Salvador”, é executado em um extraordinário brilhantismo de cor e movimento.

Cada uma das cinco sessões representa um quadro completo a ser apreciado por si só ou como parte da vasta composição.

Arte é o instinto da raça-humana de dar uma forma mágica ao sentimento.

Mercado de Salvador - 1969
200x300cm
Políptico em cinco faces, cada uma com 200x60cm

 

UMA CRÔNICA CRÍTICA SOBRE A PINTURA DE NOÊMIA GUERRA
George S. Whittet - 1987

 

Encontrei Noêmia Guerra pela primeira vez, em fevereiro de 1965, no Royal College em Londres.

Noêmia, por volta dos quarenta anos de idade, demonstrava, por sua atitude firme, ser uma mulher ativa. O que mais impressionava em sua fisionomia, eram os olhos, que refletiam inteligência viva e reação imediata, tanto mental, quanto emocional.

Eu e Noêmia conversamos sobre amigos brasileiros em comum. Ela me disse também que vivia em Paris, em um estúdio alugado em Montparnasse, desde 1958. Noêmia disse-me também que estava para fazer uma exposição, em maio vindouro, em uma pequena galeria do West End londrino.

George Whittet e Noêmia Guerra

 
Como, na época, eu ia freqüentemente à Paris, a fim de visitar galerias, propus-lhe, se acaso ela tivesse interesse, que me levasse para ver seus quadros que seriam expostos em Londres ou, pelo menos, algumas de suas outras pinturas.
 

A ocasião apresentou-se e então pude ver o trabalho da artista em seu ateliê parisiense e, mais tarde, sua primeira exposição em Londres, na minúscula St. Martin´s Gallerie, dirigida por um emigrado veneziano de nome Victor Zamattio. Tal exposição havia sido organizada pela Sra. Raquel Braune, Adida Cultural da Embaixada do Brasil que promoveu também um vernissage de boas-vindas, reunindo críticos de arte e personalidades da sociedade de Londres.

Em uma crítica sobre a exposição, escrevi: “As pinturas a óleo de Noêmia Guerra mostram grande vitalidade e espontaneidade em sua composição, na qual os “azuis-cobalto e os violetas” sugerem o céu, por meio de alusões abstratas (céu este que eu iria logo conhecer no Brasil). As composições, quase abstratas, sugerem formas no espaço por meio da cor e modulações de tons.

Com efeito, a essência de suas composições era “o movimento” propiciado pelas variações de “formas-tons”, sugerindo ao espírito do observador “figuras dançantes”...

Era impossível encontrar na animação de tal natureza algum traço de influência do breve curso ministrado pelo Professor André Lhote, que ela cursou em 1951, quando o professor francês havia sido convidado para ministrar um curso de Composição Pictórica no Instituto Municipal de Belas Artes do Rio de Janeiro, onde Noêmia estudava.

 

Os contornos duros e bem definidos que Lhote havia tirado de Cézanne e, mais tarde, do cubismo não apresentavam nenhum interesse para Noêmia. A cor, em toda sua potencialidade, era o fator predominante nos quadros de Noêmia; gradualmente, essas modulações de cor trouxeram, em sua criação pictórica, mais associações na compreensão e no espírito do observador.

Eu apreciei de tal forma a pintura de Noêmia Guerra que a apresentei ao Sr. Alwin Davis, um jovem designer que havia trabalhado em Hollywood e voltara a Londres para abrir uma galeria em Mayfair. O Sr. Alwin Davis e seu sócio, Sr Ronald Dongworth, aceitaram incluir os quadros de Noêmia Guerra em uma exposição na Alwin Gallery, no ano seguinte.

1966 foi um ano importante na carreira de Noêmia Guerra. Em primeiro lugar, houve uma grande exposição individual na galeria da rive droite, Jacques Massol, e também pela participação de Noêmia na exposição “Três Artistas” na Alwin Gallery de Londres, que eu prefaciei. Jacques Massol convidou-me para escrever a introdução do catálogo da exposição parisiense. O que se segue é um trecho de tal introdução.

 

Depois de meu encontro com Noêmia Guerra visitei o Brasil. Em primeiro lugar, para ver e comentar a Bienal de São Paulo, o que me permitiu aprimorar meus conhecimentos, não apenas da arte brasileira, mas também do aspecto sócio-cultural do país de Noêmia. Em particular, as paisagens, o povo, os contrastes quase surreais entre riqueza e pobreza, as misturas étnicas afro-européias, os “silenciosos”, mas sempre presentes, descendentes das tribos indígenas, elemento indispensável da mistura racial do povo brasileiro.

Tal experiência permitiu-me melhor apreciar os reflexos do passado de Noêmia, já evidentes em suas pinturas.  

Com essas impressões frescas em minha retina, a linha dos cumes das montanhas da Serra dos Órgãos emergindo da terra vermelha, o avião aprontava-se para aterrissar no Aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro.

Percebi então que esse “Brasil Tropical” era, espiritual e cromaticamente, expresso nas imagens tropicais das paisagens de Noêmia, como vemos, por exemplo, em seu penetrante quadro “Tijuca”, a floresta urbana situada na região montanhosa do Rio de Janeiro.

Tijuca - 1966
Óleo sobre tela - 81 x 65cm

 

No Rio, um amigo acompanhou-me de carro e levou-me para visitar numerosos lugares característicos, entre outros, a Floresta da Tijuca. Durante o passeio, enquanto sentia-me imerso na atmosfera verde da floresta tropical, veio a minha memória o quadro de Noêmia intitulado “Tijuca”, com as cores da floresta; era exatamente isso! Um ambiente verde escuro constituindo o fundo, contrastes ocres avermelhados da terra, o ritmo das subidas e descidas da colina, sugeridos no quadro por meio de modulações de verdes claros como raios de sol passando através das folhas e galhos. Subitamente, aparece, por entre os rochedos sombrios, um brilho argênteo; era uma cascata refletindo o azul do céu.

Uma vez mais, senti a percepção como um ato original e criativo graças ao qual estamos ao mesmo tempo inseridos em um ambiente e transportados a uma lembrança.

Cheguei ao ponto de não mais considerar que o mérito de uma cultura repousa sobre uma habilidade técnica, mas sobre uma ruminação de um gosto popular ligado ao modernismo do século XX. Devemos considerar, antes de tudo, uma pintura como um grafólogo e ler na composição o caráter do pintor. A arte, mais do que nunca, é o autógrafo de uma personalidade.

Submeter-se aos calculadores eletrônicos e à abstração óptica é renunciar ao poder espiritual do artista. Felizmente, ainda há artistas fiéis ao ritmo de seu próprio magnetismo. Noêmia Guerra é um deles. Sua pintura irradia uma luminosidade que é “Pintura”, esta preciosa substância que recentemente sofreu tantas devastações e invenções contra-feitas.

Enquanto poeta, creio que, em suas paisagens e danças, Noêmia Guerra abraça a vida com uma alegria corajosa, a que poucos se entregam. Enquanto crítico, estou certo de que sua mensagem é inteligível, sem necessidade de decodificação. É Pintura em estado puro, de significado universal.

Menos de três meses depois de sua exposição em Paris, Noêmia apresentou dezoito quadros na Alwin Gallery de Londres, um total de quarenta quadros nas duas exposições.

Durenmatt disse, com muita razão, que “o artista não pode aceitar uma lei, a menos que ele próprio a tenha descoberto”.

 

Noêmia descobriu progressivamente, em suas pinturas tão pessoais e eufóricas, que não há uma forma pré-concebida em que uma imagem mental possa se vangloriar de sua realização. Cada composição é um passo do artista em sua viagem através de uma paisagem de luz.

Mais tarde, em 1966, fui convidado para fazer parte de um júri de críticos europeus em uma exposição internacional organizada pelo município de uma pequena cidade da Eslovênia, Sloveny-Gradec, com a finalidade de atribuir prêmios. Fiquei feliz em ver que a luminosa pintura de Noêmia Guerra – “As Falésias de Algarve” - estava muito a frente das outras pinturas iugoslavas ou européias.

 

Em 1967, Noêmia e seu companheiro, Julian Luna, de Prada, passaram parte do inverno no Líbano, onde encontraram o povo nos souks e a antiga dignidade nas ruínas isoladas de Baalbeck, o que trouxe novos temas para as composições de Noêmia.

Julian e Noêmia divertiram-se com as discussões nos Mercados dos souks: as roupas, xales, echarpes bordadas, como bandeiras brilhando sob o sol surgindo no interstício das ruelas.

Durante sua viagem ao Líbano, Noêmia fez numerosos desenhos e aquarelas para mais tarde trabalhar a partir de tais “estudos” ao voltar para Paris.

A viagem ao Líbano e a estada anual em Lagos-Algarve deram à Noêmia motivos para as composições de seus quadros que seriam expostos na Alwin Gallery no início de 1968.

 

Encostas Rochosas no Algarve - 1969
Óleo sobre tela - 120 x 154cm

Nas pinturas de Noêmia Guerra, pode haver diferentes temas, mas vemos sempre uma abordagem e tratamento unificados. Para Noêmia Guerra, pintar o movimento não é descrevê-lo por meio de formas, mas criar uma composição que dê a sensação de movimento a partir de uma modulação de tons.

Assim, em suas composições em que os dançarinos, com graça e vitalidade, fundem-se no fundo do quadro, estabelece-se uma modulação de tons que faz contra ponto com outras imagens-formas dançantes em primeiro plano, marcando, a partir desses contrastes de “valor-cor”, o ritmo, pela decisão do pintor.

Nos quadros de “Encostas Rochosas" e "Costa de Algarve”, o contraste dos “valores-cores” cria uma nova luminosidade, com seus próprios raios de luz.

 
A alienação do artista na sociedade é um desconforto cultural contemporâneo; mas, para Noêmia, não há alienação entre a variedade do espetáculo oferecido pela vida e a calorosa resposta empática que ela transmite com entusiasmo ao observador.
 

Durante o ano de 1969, Noêmia fez nova exposição na galeria parisiense Jacques Massol e na galeria Alwin de Londres; as duas exposições foram simultâneas. Ambas foram notáveis pela diversidade de temas inspirados nos contatos pessoais diretos realizados durante suas viagens. Em minha introdução para a exposição da Alwin Gallery, eu ressaltei o  desenvolvimento e a maturidade de um talento inato, nutrido pela experiência e contínuos esforços.

Nos quadros inspirados pelas aquarelas realizadas in-loco por ocasião de suas visitas ao Brasil, Portugal, Líbano, a figura humana coloca-se naturalmente na paisagem. Escrevi no “Le Monde” (2) “Noêmia Guerra voltou à Bahia (Brasil), em 1968. Salvador, a capital desse estado, possui esplendida arquitetura barroca dos séculos XVII e XVIII, mas a imaginação de Noêmia era mais estimulada pelo povo que animava o ambiente esmagado pelo sol; o “Mercado de Peixes” de Salvador apresenta grande singularidade, sendo uma obra pintada com extraordinária audácia de cores e de movimentos. Cada um dos cinco painéis é um quadro completo, que pode ser admirado como tal separadamente, mas que, ainda assim, faz parte de uma composição pictórica. Para mim, “os tons” provocam uma exaltação, quando criam um espaço e fazem aparecer “um inesperado”.

Em 1973, Noêmia apresenta sua quarta exposição individual na Alwin Gallery. Escrevi sobre ela em “Pictures on Exhibit” (New York) (3): “As Encostas de Algarve oferecem temas para Noêmia Guerra. As variações do motivo, que recebem constantemente golpes do vento e das ondas, revelam, graças a uma pintura vibrante, uma força crescente na composição e na percepção das modulações de tons quando exprimem as formas dos rochedos sob o sol”.

Passam-se quatro anos entre a quarta exposição de Noêmia, na Alwin Gallery, e a exposição seguinte, em uma galeria, igualmente organizada por sua amiga Raquel Braune.

Após um vernissage de muito sucesso na Stephen Maltz Gallery (Cork st. 22. Londres) em 1977, escrevi: “encontrei as pinturas de Noêmia Guerra ainda mais fortes e dinâmicas, na figuração e energia empregadas. Sua característica principal é a exuberância, com um domínio sobre uma das mais elementares expressões da força vital de qualquer sociedade: a dança. A dança favorita de Noêmia é a de seu Brasil natal: o samba. Ela pinta os dançarinos e dançarinas, expressando a sensualidade destes, de maneira que a qualidade táctil de sua pintura passa pela textura e pela orientação de seus traços. Em algumas composições, o pincel parece acompanhar as formas e acariciar os pigmentos, em uma coreografia manifestamente sexual. O tom dominante é o vermelho, o das rosas, dos pores do sol, dos frutos maduros, do vinho, do sangue, símbolos de nosso mundo atual de violência, mas mantido sob controle pela expressão de uma alegria comum, sintetizada pela música do samba, reflexo da alma do povo brasileiro”.

Em 1979, Noêmia expôs, na galeria Marcel Dernhim, em Paris, seus quadros mais recentes, demonstrando um contraste fantástico entre estabilidade e movimento. Em minha crítica (4) escrevi:”por um desenvolvimento constante em direção a uma relação de formas mais expressiva, sua “pintura irisada” projeta uma luminosidade interior, de rara característica pessoal, quer as facetas brilhantes sejam refletidas sob formas estáticas ou dinâmicas, como que animadas pelo sopro de uma brisa, uma sutil modulação de luz faz com que se movam todos os elementos da composição como que por refração”.

No ano de 1981, em nova exposição na galeria de Marcel Dernhim. Nos retratos, Noêmia Guerra deu um passo importante em relação aos últimos dois anos, alcançando uma simplicidade notável. Conhecendo pessoalmente alguns de seus modelos e a afinidade entre eles e a pintora, admirei a honestidade com a qual os mostrava ”em duas dimensões”, em um resumo generoso, audacioso e descompromissado.

Ela participou do Festival do Brasil, que ocorreu no Barbican Centre em Londres, com três trabalhos. Em minha introdução ao catálogo de tal exposição, escrevi: “Noêmia Guerra figura entre as melhores artistas mulheres do Brasil”. Duas composições expressivas, em cores gritantes, traduzem um caloroso engajamento com a vida do povo, seja em cenas animadas nas praias de Algarve ou em grupos de dançarinos na Bahia”.

Nos anos mais recentes, Noêmia passou a primavera e o verão em seu ateliê de Lagos em Algarve, e o outono e o inverno no seu ateliê em Paris.

Noêmia consagrou-se pintando retratos, trabalho que ela considera cada vez mais estimulante. Comentarei três dos mais impressionantes, os quais tive oportunidade de ver em 1986, quando fui à Paris com o intuito de posar para um retrato no ateliê de Noêmia.

O primeiro retrato que atraiu minha atenção foi de um jovem barbado, vestindo uma camiseta azul com um desenho em linhas brancas, representando um garoto que saltitava. À minha pergunta “por que esse desenho?” Noêmia respondeu: “o desenho é de Portinari, um retrato de seu filho, o professor de matemática João Portinari, que usava essa camiseta quando veio me visitar em uma de suas viagens à Paris. Esse desenho se tornou o logotipo da Instituição “Projeto Portinari”, fundada por seu filho João para preservar a obra de Cândido Portinari, expoente da pintura figurativa do Brasil, após a morte daquele em 1961.

Apreciei a expressão de tenacidade do homem com barba e a sutileza da pintora Noêmia Guerra que, embora copiasse o desenho de Portinari impresso na camiseta, fez dele uma de suas próprias criações.

O segundo retrato impressionou-me, pois nele reconheci a modelo Maria Nunes, agora uma jovem mãe, posando com o seu filho, um bebê de oito meses chamado Igor. A pose do bebê é a mais estranha que já vi em uma pintura de Madonna – o bebê posando nu, de pé sobre os joelhos da mãe; admirei a composição e o cromatismo em perfeito acordo com o frescor dos modelos.

O terceiro retrato, igualmente digno de nota, era da célebre cantora brasileira de ópera, que vive em Paris, Maria d´Apparecida, usando seu chapéu característico. No fundo da composição, mas incorporada à sua estrutura, uma cena imaginária, a figura de Feliz Labisse, discretamente modelada, ele próprio pintando um retrato de Maria d´Apparecida. Essa “evocação pictórica”, na medida em que já houve laços no passado entre as figuras retratadas, revela a maneira imaginativa como Noêmia trata sua composição, algo raro nos retratos modernos.

Para Noêmia Guerra, cada composição é um desafio e um estímulo para representar suas imagens mentais e não apenas uma técnica.

Chamá-la de expressionista seria um clichê inadequado para descrever o estilo de Noêmia Guerra; em todas as suas pinturas, tais como as que vi sucederem-se ao longo de vinte e três anos, aparece antes um “subjetivismo” marcado, revelando sua maturidade na abordagem dos temas, refletindo sua personalidade íntima, feita de uma generosidade de espírito, combatendo as dificuldades, apreciando a força da Natureza, lançando mão de todos os recursos de cores, por intermédio de uma experiência pessoal e uma sensibilidade aguda.

George S. Whittet - 1987

Referências:

(1) Studio International, maio de 1965.

(2) Le Monde, 30 de outubro de 1969.

(3) Pictures on Exhibit - New York, fevereiro de 1973.

(4) Art and Artists, fevereiro de 1973.

 

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